do blog da Raquel Rolnik
A Prefeitura de São Paulo está
realizando um processo de “revisão e readequação” da Lei de Zoneamento da
cidade, que foi completamente revista e alterada há pouco mais de um ano, em um
longo processo que sucedeu a elaboração do mais recente Plano Diretor de São
Paulo. De acordo com o texto de introdução constante no site gestão urbana a motivação para esta nova revisão é a
“necessidade de ajustes nos dispositivos para melhor aplicação da lei”.
O
poder público municipal afirma no mesmo documento, que o processo foi iniciado
em janeiro, com um “estudo da aplicabilidade dos instrumentos” e que, desde o
dia 26 de maio e até o dia 5 de junho, realiza uma “consulta pública” para
colher propostas de mudanças nos dispositivos. Dois dias depois de finalizada a
consulta, a gestão apresentará uma “minuta participativa” que deverá ser
discutida em audiências regionais e encaminhada à Câmara Municipal.
Cabe,
antes de mais nada, uma explicação: os tais “dispositivos” do zoneamento que
aparecem como objetos da consulta, tais como “cota parte máxima”, “gabarito
máximo”, “cota ambiental”, entre outros, foram inseridos no Zoneamento como
instrumentos de implementação de uma estratégia contida no Plano Diretor.
Explicando
um pouco mais: a cota parte máxima, por exemplo, limita o tamanho dos novos
apartamentos em regiões onde o Plano Diretor permitiu construir o máximo de
área construída na cidade. São regiões em torno de estações de metrô e
trem e de corredores exclusivos de ônibus. Ou seja, a tal da cota parte máxima
entrou no Zoneamento para tentar garantir que a massa de novos prédios que
futuramente vai ser construída nestes locais não contenha apenas apartamentos
gigantes, com pouca gente dentro, impedindo o adensamento de locais que a
estratégia do Plano Diretor propõe adensar. Portanto, mudar a cota parte máxima
não é um ajustezinho de aplicabilidade, significa mudar a estratégia do Plano!
Assim,
ao dizer que quer ajustar dispositivos para “melhor aplicação da lei”, ou
“adaptação à cidade real, aquela já construída”, sem informar à sociedade qual
foi a avaliação feita sobre estes instrumentos que justifique mudanças, a
Prefeitura mais esconde do que revela as motivações do processo que acaba de
lançar publicamente. Além disso, a consulta pública, que também propõe captar
as propostas de “ajustezinhos” (em 10 dias!), tampouco exige justificativas,
nem sequer a identificação clara das motivações.
Ainda
em relação aos prazos, a Prefeitura diz que vai “sistematizar” todas as
contribuições em dois dias (acelera, São Paulo!) e lançar uma minuta de projeto
de lei com as alterações. Ora, é evidente que esta minuta já está em
elaboração, se já não estiver pronta… Mas se ela não saiu de um processo
público de avaliação crítica do Zoneamento existente, de onde saiu?
Ou
seja, uma proposta nada inocente de alteração do Zoneamento está sendo
elaborada levando em especial consideração as avaliações feitas por empresas
com interesses diretos em potencializar seus ganhos na cidade, incluindo
alterações de parâmetros construtivos sem respaldo técnico, a partir do acesso
privilegiado àqueles que formulam as leis.
Não
faço aqui uma defesa irrestrita do Zoneamento recém-aprovado, que merece, sim,
uma revisão circunstanciada, motivada conceitual e tecnicamente em seu devido
tempo, já que acabamos de passar por um ciclo deste tipo. Mas o que está sendo
proposto neste momento nada tem a ver com um verdadeiro processo de revisão. O
setor imobiliário tem toda a legitimidade para avaliar criticamente o
Zoneamento e a Prefeitura para abrir um processo de debate em torno destas
questões. Mas que isso seja feito à luz do dia, de forma clara, e submetido ao
escrutínio público dos cidadãos de São Paulo, com linguagem, tempo e
procedimentos para que todos compreendam o que está em jogo.
O processo participativo de formulação
da Lei de Zoneamento teve uma duração de 1 ano e 5 meses, envolvendo:
- 8.028
participantes;
- 7.626 propostas na etapa de elaboração da Minuta do Projeto de
Lei pelo Poder Executivo;
- 7994 participantes nas audiências;
- 5474
propostas na fase de tramitação do Projeto de Lei na Câmara Municipal;
- totalizando 16.022 participantes e 13.100 propostas.
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